terça-feira, 27 de novembro de 2012

Journal #1

Na mesa de jantar na cozinha apertada, ainda estão as panelas mornas em cima da mesa, junto com os pratos sujos de uma refeição bem feita. Eu e meu pai os únicos homens ao redor da mesa que ainda contava com quatro mulheres, minha vó, mãe de meu pai, e três tias.
Eu já não estava com muita paciência com meu pai, que vinha bebendo quantidade suficiente de cerveja nos últimos dias pra me deixar fora do sério, e ele ainda vinha me pegando pra vocativo nas suas conversas monólogas com outras pessoas, me explicando desde as coisas mais óbvias para um jovem adulto de 22 anos até coisas que visivelmente ele não dominava, mas como sempre, fazia acreditar que dominava até que alguém o contradissesse.


Parênteses.
Quando menor, esses monólogos e explicações intermináveis já tinham me prendido a atenção por várias horas e claro que a admiração que eu tinha por meu pai ia ao máximo nessas horas, mas o tempo passa, a gente cresce e vai entendendo mais as coisas e vai conhecendo os pais que tem. A admiração não acaba, mas com certeza vai ficando mais localizada naquelas coisas que são realmente admiráveis pra você.
Fecha parênteses.


Não bastasse os monólogos do meu pai, minhas tias falavam alto e as disputas de ego e da atenção da mãe, do irmão mais velho e do sobrinho distante, tornavam aquele ambiente basicamente insuportável pra qualquer jovem adulto de 22 anos rabugento e com sono, ou seja, eu. No meio desse conversê atropelado, em algum momento a nostalgia surgiu e as fotos antigas vieram parar em cima da mesa, de onde os pratos e panelas já tinham sido retirados.
Fotos do avô que nunca conheci me foram mostradas e as opiniões divergentes a respeito da personalidade dele foram colocadas na mesa também, uma sobre a outra. Não consegui discerni-las. Várias fotos antigas me foram mostradas, nomes que nunca tinha ouvido falar me foram ditos, Tio Adão, Tia Eloá, Primo Lero Lero, etc... Tudo isso passou praticamente desapercebido na minha mente cansada e sem paciência, até que eu peguei na mão um retrato de meio corpo do perfil de uma menina/mulher (quem sabe dizer nas fotos preto e branco?!) muito bonita. Com cabelos ondulados castanho claros (tonalidades de preto, eu sei), pele branca e bem lisa, ela me deixou hipnotizado. Com a foto na mão, perguntei pro meu pai quem era aquela menina, ao que ele me respondeu "É a Tia Gorgonzola*". Eu olhei espantado pra tia Gorgonzola da vida real, que agora com seus 50 e poucos anos já não carregava consigo os traços daquela beleza da juventude e também não carregava o espírito que minha imaginação imbuíra naquela garota da foto. Não, a tia de hoje resmungava sobre a colega de profissão que não era tão boa quanto ela, que nós não tínhamos ido visitá-la em sua casa e que ela não se aposentaria no ano seguinte.
Não pensei nisso na hora, mas penso agora: quem sabe aqueles tantos tocos daquelas lindas meninas ao longo da minha ainda não longa vida não foram para o bem, né!?!